sábado, 9 de abril de 2016

As crônicas do proscrito

Todos nós temos raízes em algum lugar. Por mais independente que seja, sempre existe um lugar que podemos chamar de lar. Geralmente onde nascemos, ou onde vivemos, em alguns casos, onde a morte acontece para alguns próximos... Quando existe alguém que perde essa essência, que não tem raízes, que não tem lar... esse individuo nada tem a perder... esse individuo é implacável... Se existem não apenas um, mas uma comunidade de indivíduos sem raízes, então temos o mecanismo de guerra perfeito, uma maquina de conquistar, uma célula destrutiva perfeita. Eu nasci no ano 7000 a.C., uma época não muito favorável para a raça humana, não era fácil sobreviver, os mais fortes viviam trinta e cinco anos, os normais não chegavam aos vinte e sete anos. Haviam muitos predadores, muitos seres e coisas que, na ocasião não sabia o que eram, mas caçavam humanos. Eu, não era diferente dos demais, aprendi cedo a me esconder e a lutar pela sobrevivência, no inicio, sempre protegido pelo meu pai, um caçador, que liderava nosso pequeno grupo de nômades, sua força e perspicácia nos mantinha vivos, ele executava brilhantemente seu trabalho, eu sobrevivi a difícil infância, me tornando um jovem forte, e com potencial para liderar nossa família, nossa pequena comunidade... Tudo corria bem, a normalidade era rotineira, mas nunca entediante, uma das coisas extremamente interessantes na existência, é a casualidade, que torna a vida imprevisível e frágil, a casualidade da existência é indefensável, não existe como prever ou como lutar contra, ou a favor dela.... e é de uma casualidade que falaremos agora, a casualidade que mudou minha existência no espaço tempo, até onde me encontro agora. Eu era novo não havia chegado aos vinte anos, não existiam oportunidades para amor, nem sabíamos da existência disso, todos os nossos esforços eram direcionados a sobrevivência, inclusive na procriação, não era por sentimento, na maioria das vezes por necessidade de perpetuar a especie,eramos cuidadosos e disciplinados.... Ainda assim o acaso nos encontrou, e uma peste atingiu nossa aldeia, inicialmente metade dos nossos caçadores morreram, uma morte horrível, seus pulmões paravam, seus fluidos corporais saiam por todos os orifícios do corpo, por fim, a morte chegava leve e doce, acolhida como uma mãe acolhe o filho, libertando do sofrimento. As mulheres que sobreviveram se tornaram estereis, e nosso povo padeceu, e conheceu a morte. Meu pai, tentando me poupar de toda a destruição causada pela peste, me aloca em um grupo de caça afastado, pois afinal, minhas habilidades seriam uteis em prover nossos estoques com carne para o inverno. Caçamos alguns pássaros e dois alces gigantes, desmembramos os animais, equipamos os cavalos para transportar a carga, sim, usávamos cavalos, fomos os primeiros. Nossas atividades chamaram a atenção de lobos, que nos rastreavam e perseguiam pelas matas congeladas, sentiam o cheiro do sangue dos alces, um confronto era inevitável. Nunca é bom confrontar lobos, são exímios caçadores e muito violentos, tinha comigo três dos melhores caçadores da aldeia, e ainda não achava uma boa ideia um confronto com lobos. Estavam comigo Helion, o sábio. Aldo, o forte. Luke, o belo, e eu Reziel, o Nobre. Fugimos durante três dias, até que nossos cavalos exaustos não deram mais nem um passo, pensei então, vai ser até bom um casaco de pele de lobo, esta muito frio, e só vai piorar. Os outros pareciam pensar o mesmo, e silenciosamente se preparavam para o confronto por vir, o silencio ara quase fúnebre, até os cavalos sentiam que algo ruim estava pra acontecer, e se agitaram, dispostos a andar novamente, mas agora já era tarde, havíamos montado acampamento, e particularmente estava cansado de fugir, além disso, estava realmente precisando de um casaco de peles novo, e a carne dos lobos proveria mantimento para os próximos dias. Que venha a luta. Acendemos uma fogueira, colocamos muita lenha para iluminar um raio maior, que demorou a pegar pois a madeira estava congelada, preparamos a as armas, o Aldo, as duas facas de caça, muito bem afiadas de bronze reluzente, Helion, com sua lança, com duas pontas afiadas em bronze forjado, o Luke com seu arco longo e suas flechas com ponta ferrosa, eu, usava karambits longos, feitos de liga de bronze, com algumas peças em prata. Todos tínhamos facas de caça longas, curtas e uma espada curta como armas secundarias, a espada curta era normalmente usada para defesa pessoal. Criamos uma proteção para limitar a entrada dos lobos no perímetro, empilhamos pedras e galhos maiores congelados, folhas, tudo que podemos encontrar, bloqueamos o equivalente a três vezes o raio da fogueira formando uma meia circunferência. Às nossas costas, uma parede íngreme, com apenas uma rota de fuga, que caso necessário, poderíamos defender com facilidade, os lobos não poderiam vir de cima, se viessem, morreriam na queda, nossa barreira de pedras e madeira ficou na altura dos ombros do nosso membro mais alto, Aldo tinha dois metros e dez centímetros, o que dava a nossa barreira uma altura que girava em torno dos um metro e oitenta centímetros, todos os lobos que tentassem pular essa barreira, seriam facilmente abatidos, deixando apenas uma pequena passagem, por onde a orda de lobos convergiria, desse ponto, poderíamos enfrenta-los com alguma igualdade. Nosso trabalho ficou muito bom, a barreira ficou firme, tínhamos uma boa estratégia, e uma rota de fuga, caso tudo desse errado. O sol estava se pondo quando terminamos; Abastecemos a fogueira, colocamos carne no fogo, e nos alimentamos e tomamos todo o estoque de cerveja quente. Enquanto esperávamos a noite chegar, aguardávamos o ataque eminente, os homens se agitaram: - Não sei o que Aziel tem na cabeça, com tantos experientes na aldeia, ele deixa esse fedelho no comando. - comentou Aldo - Esse fedelho, é o caçador mais letal da aldeia, e o melhor rastreador também. Além disso é o filho de Aziel. - rebateu Luke - ... mesmo que não fosse, ele é habilidoso como nenhum outro na aldeia. Eu já caçava nessas florestas quando todos vocês ainda se penduravam no peito das suas mães, e nunca vi habilidades como as dele, nunca vi ninguém conseguir fugir de lobos. Eu confio no garoto. Alias, vocês deveriam estar focados do que esta por vir. - acrescentou Helion, pondo fim a discussão. Eu estava longe, me afastei pois conseguia ouvir os lobos chegando, e sabia que em quinze minutos nos alcançariam. Eu escutei todo o diálogo dos meus homens, entendia a preocupação deles, mas não parecia um garoto, aos dezoito anos e já tinha uma constituição avantajada, já era um dos maiores da aldeia, com um metro e noventa e seis, e minhas habilidades sempre foram diferentes desde a minha infância. Conseguia escutar os pássaros cantando do outro lado do vale, e ouvir o vento balançando as folhas na copa das arvores. Eles não tinham chance. Não sei porquê, meu pai não falava muito das minhas habilidades, nunca falou da minha mãe, apenas que ela não poderia mais estar comigo, mas que ela era mulher marcante e diferente, e que eu algum dia entenderia. Meu pai, insistia em dizer que eu jamais tinha alcançado todo meu potencial, mas eu me sentia tão normal, tão ordinário, eu não era o mais forte, nem o mais inteligente... talvez o Aldo estivesse correto, eu era apenas um garoto com uma audição e um olfato privilegiados, mas isso não me faria desistir, apenas me tornava mais determinado. Ainda era muito novo, tinha muito o que evoluir... meu pensamento foi cortado por uma sensação, olhei para o cume do paredão as nossas costas, e vi um par de olhos em um vermelho vibrantes nos observando, quando meu olhar pousou no brilho vermelho dos olhos, eles se fixaram em mim, meu instinto ficou em alerta máximo, senti um frio subindo da base da minha coluna até a nuca, meus músculos se contraíram, senti uma urgência infinda para correr, fugir, senti as minimas terminações nervosas de meu corpo me dizendo que eu estava em perigo, que tinha que sair dali, o grande lobo desviou os olhos de mim, e olhou alem da nossa barreira, acompanhei o olhar do lobo monstro, do urso, ou seja lá o que fosse aquela coisa, nas arvores bem a frente de nossa barreira, e la encontrei pelo menos mais seis pares de olhos azuis reluzentes; - Para a caverna!!!!! - gritei com toda a força que pude para os meus homens, já com os karambites nas mãos, enquanto subia a pequena elevação. Nesse momento todos escutamos um rosnado alto, e vimos o lobo pular do alto do paredão e cair de pé dentro de nossa barreira, derrapando um pouco por inercia do movimento... - Em nome de Kadath, o que diabos é aquilo?? - gritou Aldo Os lobos pularam por sobre nossa barreira sem dificuldade, eram gigantes, do tamanho de búfalos, alguns maiores, corriam em nossa direção. Luke armou o arco e disparou uma flecha certeira em um dos lobos sobre a barreira, a flecha se despedaçou entre os olhos do lobo sem causar nenhum dano. - São demônios vindos direto do Murdock, vamos todos morrer... - bradou Luke, soltando o arco e caindo de joelhos; - Levanta garoto, cale a boca e lute até não ter mais uma mão para segurar a espada. - ordenou Helion, puxando Luke pelos ombros tentando coloca-lo de pé. Nesse momento alcancei a elevação onde estava Luke, estava correndo em direção a entrada da gruta, não conseguia enxergar o que acontecia de onde havia vindo, mas sabia que não estava nada bom, escutava apenas os passos secos de algo, e sentia um cheiro forte de couro e sangue fresco. Helion me chutou no peito, me fazendo retroceder tudo o que havia avançado desde que vi o lobo dos olhos vermelhos, por um instante me perguntei porque Helion havia feito aquilo, por que afastar tão veementemente um aliado, um amigo? Ainda pensava nos motivos enquanto caía pela encosta, quando um lobo castanho gigante pulou sobre eles, Helion tentou cravar a espada curta no pescoço do lobo, em uma situação normal, isso mataria instantaneamente o lobo, que sem a conexão nervosa da espinha, certamente se rompida com o golpe de Helion, sucumbiria com poucos espasmos, mas a espada cravou no pescoço do lobo, da mesma forma quando golpeamos com uma espada o tronco grosso de uma árvore, a lamina trava no interior da madeira... o lobo não pareceu sentir o ferimento, continuando o movimento de mordida. Pude ouvir ao mesmo tempo os estalos dos ossos do ombro de Luke se quebrando entre os dentes do lobo, o animal tentara morder o pescoço, mas em um movimento involuntário, Luke levantou o ombro até que esse encostasse na orelha, e trincou os dentes esperando pela dor vindoura, e o grito de Aldo, que acabava de sucumbir ante dois lobos cinzentos gigantes que o alcançaram na entrada da gruta. O tempo parou por um momento, pude ver os cavalos destroçados, enquanto três lobos enormes se alimentavam da carne dos cavalos e dos alces, vi o lobo negro gigante correndo em minha direção, ele parecia apenas observar enquanto os outros de sua matilha se alimentavam e destruíam tudo o que podiam. Percebi o movimento de mordida do animal, sabia que se fosse em meu pescoço seria o fim, então exatamente como Luke, levantei o ombro bem a tempo de sentir cada centímetro dos dentes do lobo se cravarem sobre o meu ombro pelo lado direito, a mordida se estendeu até meu peito, uma dor aguda paralisou o meu corpo, uma voz falou: - Calma garoto, já vai acabar! Me desculpe, mas estamos famintos, e não tem nada descente para comer nesse inferno de gelo!! - Olhei sob meu ombro para o olho do lobo, ele me olhava... vi inteligencia e consciência naquele olhar, sabia que ele ceifaria a minha vida, como um ceifeiro não polpa os grossos ramos de trigo no campo. Não havia mais o que fazer, tinha caído em uma letargia que era quase como a de um sonho, que você vive, e não consegue discernir se aquilo é verdade ou fantasia. Então escutei os gemidos de Luke, e olhei para Helion, eles estavam sendo comidos vivos, havia um grande buraco no abdome de Helion, calculei que lhe faltavam um rim, um pedaço da bexiga, e boa parte dos intestinos, Helion me olhava como que pedindo socorro enquanto trincava os dentes de dor, mas não emitia nenhum ruido. Escutava os gemidos de Luke e a gritaria de Aldo, mas não os conseguia ver. A letargia passou e senti a dor dilacerante quando o gigante negro arrancou a carne do meu ombro, me admirei do braço ter ficado em se lugar... Enquanto sentia o sangue escorrendo sob meu corpo e encharcando o que restava de minhas roupas de pele velhas, toda a dor e o desespero que eu sentia foram dando lugar a uma fúria incontrolável, meu sangue esquentou e ferveu dentro de minhas veias, a tênue linha que separava inconsciência da plena certeza da realidade se rompeu em um grito, meio rosnado meio gutural, não saberia descrever o que foi aquilo, mas foi libertador, meu corpo não mais estava paralisado, sentia minhas mãos serradas e prontas para serem usadas, olhei para o lobo gigante acima de mim, decidi que não o queria mais ali, girei a perna direita sobre a esquerda para dar impulso ao movimento, foi mais do que esperava, senti o pé direito se fixar no solo congelado, meu corpo estava suspenso o suficiente para empurrar o solo com o braço direito, que estava dilacerado, mas ainda me servia bem, no giro dei um forte soco na parte superior da pata esquerda do lobo, esperava que fosse o suficiente para afasta-lo, apesar de não ter muita esperança disso, empreguei toda a força que pude, o soco saiu deslocado e atingi o enorme lobo com a região anterior da mão fechada, como um martelo. Vi surpreso a o dorso do grande animal ceder a minha mão, os ossos do ombro do animal quebraram, a força do golpe, foi suficiente para lançar o animal sobre a barreira e derruba-la, derrubando também duas arvores medias próximas a encosta, o grande lobo rosnou, o que fez todos os outros pararem de se alimentar e pularem para o centro da clareira, entre eu e o grande lobo negro. Uma especie de aura branca brotava das minhas mãos, e de repente enxergava tudo, nada escapava ao meu olhar, vi Aldo destroçado na entrada da caverna, mas ainda vivo e xingando muito os lobos, Helion ainda olhava para mim, e Luke estava desmaiado, com múltiplas fraturas no ombro, e uma das pernas descarnadas, mais ainda respirando, conseguia ouvir os seus batimentos cardíacos. Prognostico: Todos vivos, ainda. O que estava em pior estado era Helion, que ainda me olhava, Luke desmaiado, Aldo tentava se por de pé, mas seu joelho estava virado para o lado errado, e lhe faltava muita carne da outra perna e do braço, ficou sentado, ainda xingando; - Esta esperando um convite??? Mata esses desgraçados... Olha só meu braço... e minha perna.... como você pretende resolver isso? - Rasnou Aldo O lobo negro reapareceu de um pulo: - Um imortal? Neferim, talvez? Não, muito mais poderoso. - O lobo começou a assumir uma forma humana gigante, com garras e presas gigantes, a forma humanoide era quase tão grotesca quanto a foma original do lobo. Começou a girar o ombro; - Você me pegou de jeito garoto, vai demorar horas para curar completamente. Quem é você? - Insistiu o Lobo. Ataquei os lobos, dei impulso com o pé direito em movimento de corrida, e no segundo seguinte havia cruzado toda a extensão da clareira e estava bem em frente a um lobo castanho gigante, no ultimo momento ele me viu, mas já tarde, lancei minha mão cerrada em direção a cabeça do grande lobo, ele se moveu para baixo, livrou a cabeça, mas deixou um dorso gigante como alvo secundário. Acertei o ataque, vi estarrecido minha mão entrar no corpo do gigante animal como uma faça de bronze quente entra em uma peça de manteiga. Nesse momento escutei o coração do lobo batendo, estranhamente escutei o som e sabia com precisão, exatamente onde estavam os órgãos do lobo, quase como se os enxergasse, Mais tarde o humano inventou o radar, e pude explicar com alguma precisão como funcionava para mim. Não detive o movimento, redirecionei a força em direção ao coração da aberração, o envolvi com minha mão, era grande e forte, insistia em manter a criatura viva, então o arranquei do corpo do animal, ao extrair o órgão, com a outra mão levantei o corpo inerte da criatura pelo pescoço, enquanto todos os lobos viam estarrecidos o grande corpo encolher e voltar a forma de um homem de estatura média, uma força estranha fluía do meu corpo para minhas mãos, e a aura que as envolvia, incendiou o corpo e o coração ainda pulsando do grande lobo castanho, e o consumiu, até que de minhas mãos caíram apenas um pó amarronzado. - Recuar!!!! - gritou o lobo Negro. - Porque vamos recuar? estamos em maior numero e somos mais fortes. - falou um lobo castanho no meio da matilha. - Não seja ridículo Azur, ele vai matar todos!! - falou novamente o negro - Mas Samael... - Obedeça!! - os lobos deram as costas e sumiram na floresta. sobre eles pai resolveu consultar o sacerdote, que o orientou a nos abandonar, pois estávamos amaldiçoados. Assim foi.

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